quinta-feira, 18 de junho de 2009

a minha vontade até ao fim

ontem assisti a um desses raros momentos de televisão e jornalismo - que felizmente se tem tentado recuperar - chamado grande reportagem.

título: a minha vontade até ao fim

jornalista: Ana Romeu, da RTP


era mais um daqueles dias em que, chegada a casa no fim de um dia longo demais, liguei a televisão num gesto rotineiro, à espera do habitual som de fundo sem grande interesse. falava-se do Nuno, 43 anos, que teve que aprender a viver com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença degenerativa que mata lentamente, porque afecta o neurónio motor, a parte do cérebro que comanda os movimentos e, no limite, a voz. fiquei sentada a ver.
a reportagem, percebi depois, era sobre o testamento vital: este documento mais não é do que a declaração antecipada de uma pessoa mentalmente lúcida, expressa por escrito, para que a sua vontade seja levada em conta na hora de uma decisão que fica impossibilitada de tomar mediante uma doença. pretende-se com este testamento assegurar uma "morte digna" no que diz respeito aos tratamentos, quando não existe expectativa de cura ou se está mentalmente incapacitado ou inconsciente.
a reportagem vivia de histórias. histórias de pessoas como eu, como nós. histórias de dor e sofrimento. de silêncios e gritos contidos. de sentimentos de injustiça, de impotência, de incapacidade perante a força com que a vida por vezes nos atropela.
a dada altura, as lágrimas corriam-me pela cara. o Martim já resistiu a sete reanimações. está numa cama de hospital entubado e a mãe, deitada ao lado, faz-lhe festas, sorri e conta: "o Martim é forte, não é? a penúltima vez que tentaram reanimá-lo, já ninguém acreditava que ele ia conseguir. mas eu sei que se ele resistiu tantas vezes é porque quer viver". o Martim tem quatro meses e uma doença nos rins. não é um bebé rosado e gordinho, como todos os bebés deviam ser. nem agarra o dedo da mãe com a mãozinha pequenina. o Martim, ao contrário da maior parte dos bebés, luta para sobreviver desde o dia em que nasceu. mas é também o Martim que faz esta mãe acreditar todos os minutos dos poucos mas longos dias de vida que tem.
depois a terceira história. mudei o canal, porque não quis ver mais. são as vivências que acumulamos que convocam as memórias que por vezes não estamos preparados para lembrar. a terceira história podia ter sido comigo. como as outras duas poderão vir a ser.
foi por isso, por sentir que raramente o trabalho dos outros nos toca de forma tão intensa e tão violentamente real, que hoje enviei um mail à jornalista que fez esta reportagem para lhe dar os parabéns. e ela contou-me por que foi difícil este tema, estas palavras, estas imagens.
podem encontrá-la aqui.

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